Para a JSL, 2020 foi marcante. No ano passado, a empresa com sede em Mogi das Cruzes (SP) implementou uma profunda reestruturação. Assim, deixou de ser controladora e virou um dos braços da Simpar. Em seguida, foi às compras e trocou de CEO. Ramon Alcaraz foi eleito para ocupar o posto após a saída de Fernando Simões, que virou presidente do conselho de administração do grupo.
Alcaraz era sócio-fundador da Fadel, empresa adquirida recentemente pela JSL. Como resultado, o executivo virou acionista da JSL, da qual tem 2,3% de participação. Aos 54 anos, ele atua no setor há 35. Seu principal desafio no novo cargo será expandir as operações da JSL. Nesse sentido, está o investimento em novos segmentos, como o B2C.
JSL já colhe frutos da reestruturação
A estrutura de capital da companhia é forte. Ao ingressar na Bolsa de Valores, realizando uma oferta de ações 100% primária, a JSL captou R$ 694 milhões. Além disso, as aquisições contabilizaram R$ 625 milhões em receitas em 2020. Considerando números não auditados, a receita líquida no ano passado foi de R$ 3,3 bilhões, Ebitda (lucro antes dos juros).
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Na prática, a empresa ampliou sua atuação em vários setores. A carteira tem mais de 750 clientes. Com isso, a JSL se tornou um dos maiores operadores logísticos da América do Sul. Nesse sentido, pretende ampliar seu quadro de motoristas contratados e caminhoneiros terceirizados.
Nesta entrevista exclusiva ao Estradão, a primeira no novo cargo, Alcaraz fala sobre os planos da JSL. Além disso, analisa as tendências do setor de transporte para os próximos anos.
Gestão
Há muitas diferenças entre comandar uma empresa do porte da Fadel e outra com a JSL, que é das maiores companhias do setor de transporte e logística do País?
Fundei a Fadel há 20 anos e estou no ramo de transporte há 35. Evidentemente, essa experiência é muito positiva. Nesse sentido, facilita a adaptação ao novo cargo. Porém, nesses dois anos de contato próximo com o Fernando Simões, por causa da venda da Fadel, percebi que somos bem diferentes. Porém, temos valores bastante parecidos. Assim, esses princípios norteiam nossa forma de atuar.
Essa convergência de valores foi o que permitiu a conclusão do negócio. Além disso, por causa das características da Fadel, entendo que seria impossível negociar a venda se eu não permanecesse à frente da empresa por mais algum tempo. E, apesar de a Fadel ser menor em termos de segmentação, a forma humanizada com que a JSL faz negócios me fez sentir em casa. Portanto, estou muito animado com os novos desafios.
CEO e, ao mesmo tempo, sócio
Nesse sentido, além de CEO o sr. é acionista da JSL.
Sim. Há aspectos bastante importantes nesse negócio. Assim, vendemos 75% da empresa e ficamos com 25%. Mas, quando o Fernando (Simões) me convidou para ser o CEO da JSL, avaliei que seria fundamental que os interesses de todos convergissem para a JSL como grupo.
Ou seja, sem pensar somente como Fadel. Portanto, fizemos uma troca de ações. Dessa forma, foram os meus 25% versus os 2,3% da JSL. Como resultado, me tornei o maior acionista pessoa física da empresa. E, considerando todos os investidores, estou entre os maiores.
De alguma forma isso interfere na sua maneira de administrar a companhia?
Com toda certeza, sim. Sou um CEO que toma decisões pensando como dono. Ou seja, entendo que isso faz com que eu seja mais crítico na maneira de atuar. Por fim, não penso apenas como executivo.
Sinergias
Isso está ligado ao que o sr. construiu na Fadel?
A convergência entre mim e o Fernando está ligada a crenças. Por exemplo, ambos acreditamos na transparência das relações. Além disso, pensamos que coisas brilhantes são feitas de forma simples.
Além disso, para ter sucesso você precisa envolver gente que seja boa no que faz. Seja como for, do ponto de vista do negócio a Fadel e a JSL são diferentes. Porém, as duas empresas têm características que se complementam.
O que isso traz de concreto para o sucesso dos negócios?
A Fadel atua com grandes contratos e poucos clientes. Ou seja, na área segmentada de distribuição urbana. Além disso, há clientes duros na hora da negociação e austeros em relação aos custos. Ao mesmo tempo, eles exigem uma boa gestão.
Por outro lado, a JSL é agressiva na área comercial. Com isso, se tornou a maior empresa de logística da América do Sul. A JSL é uma empresa pró-cliente. Porém, talvez por causa do tamanho, não é tão focada no detalhe. Então, vamos agregar essa característica à gestão de custos. Bem como à área comercial. Ou seja, podemos ser ainda mais agressivos. A gente quer continuar sendo grande.
Clientes reconhecem vantagens
Os clientes já estão sentindo os resultados dessas mudanças?
Muitos clientes são comuns às duas empresas. Ou seja, a JSL já estava com alguns deles antes de comprar as novas companhias. Mas ainda não há uma percepção da mudança por parte de todo o mercado. Isso porque as mudanças são recentes. Porém, os que estão cientes da transformação nos deram retorno bastante positivo.
Eles enxergam que houve ganho de expertise. E entendem que a união de qualidades diferentes trará bons resultados. Nesse sentido, a JSL tem infraestrutura e capacidade de investimentos enorme. Ou seja, que as novas empresas do grupo não têm de forma isolada.
Assim, já ouvi de alguns clientes que eles esperam um protagonismo maior. Além disso, todos querem conhecer propostas inovadoras de serviços. Nos próximos dez anos a logística vai mudar muito. Nesse sentido, entendo que pandemia está acelerando esse processo.
Transportadora digital
Quais serão as principais mudanças no setor transporte?
As maiores estão ligadas à conectividade. Ou seja, já temos várias tecnologias de ponta disponíveis. Seja no caminhão ou em sistemas criados para as empresas. Porém, a conexão entre ambos ainda é limitada. Nesse sentido, a chegada da tecnologia 5G ao País vai permitir conexões mais abrangentes.
Como resultado, haverá um grande avanço nos serviços de logística. Portanto, quem estiver mais bem preparado colherá grandes resultados primeiro. Graças à sua capilaridade, a JSL está totalmente preparada para isso.
Tecnologia
Como a JSL vai se posicionar nesse novo momento para o setor?
Sabemos que a conectividade será mandatória. Mas em que nível será isso? A questão é que as entregas físicas vão continuar ocorrendo. No B2C (da empresa para o consumidor), a transformação tende a ser maior. As pessoas utilizam diferentes meios para comprar. Por isso, têm expectativas diferentes em relação a preços e entregas.
Ou seja, há diferenças profundas entre ir a um shopping e comprar pelo celular ou computador. Em geral, o consumidor espera que no meio digital o preço seja igual ou menor. Porém, na compra online há o frete, que tem de ser pago por alguém.
Logo, esse é o principal desafio a ser vencido pelas empresas de comércio eletrônico. Além disso, quem compra pela internet também não quer esperar muito para receber a mercadoria.
De todo modo, há uma cadeia completa por trás de tudo isso. Nesse sentido, envolve questões como insumos, produção e logística. Portanto, é muito maior que um consumo B2C. E a JSL está envolvida em toda essa cadeia.
Dessa forma, sempre seremos uma empresa de transporte. Mas também queremos ser digitais. Por isso a inclusão da Fadel faz todo sentido. Afinal, a experiência com B2C tornou a Fadel mais bem preparada para o mundo digital.
O fato é que é a junção de tudo isso que fará o nosso negócio grande. Ou seja, a transportadora, digamos, digital é um componente do ecossistema.
De olho em novas oportunidades
Está nos planos da JSL adquirir uma ou mais empresas digitais para compor esse ecossistema?O Grupo Simpar tem uma área específica de M&A (fusões e aquisições). Portanto, sabemos notícias sobre compras apenas quando a coisa já está concluída ou quase finalizada.
Porém, posso dizer que sempre estamos de olho em boas oportunidades. Assim, nossa estratégia inclui crescer de forma bem agressiva nos próximos cinco anos.
Desafios durante a pandemia
Crescer organicamente e deixar o cliente feliz ficou mais difícil com a pandemia?
A necessidade de evitar contato físico causou uma ruptura muito grande. Nesse sentido, as grandes empresas têm protocolos rigorosos de segurança em relação à covid-19. Sobretudo as internacionais.
Como resultado, as reuniões virtuais são mais rápidas e objetivas que as presenciais. Portanto, tudo está estranho. Mas vamos nos adaptando.
Assim também. cada cliente está sendo impactado de uma forma. Ou seja, para o varejo está sendo um período de crescimento nas vendas. Por outro lado, o setor de veículos vem sofrendo.
Assim, o maior desafio é oferecer soluções que atendam cada uma dessas realidades. Além disso, temo de garantir a segurança de todos os envolvidos no processo.
Seja como for, nas crises também surgem grandes oportunidades. E a gente vem buscando aproveitar os bons negócios nos mais variados segmentos.
O que é preciso para vencer mais um ano no qual não há indícios sobre o fim da pandemia?
Neste ano, a crise tem outras nuances. Em 2020, apesar do impacto, houve a ajuda emergencial do governo. Esse dinheiro ajudou a aliviar os efeitos da queda na atividade. Ou seja, favoreceu a economia e fez girar a roda.
Contudo, neste ano é menos provável que ocorra algo parecido. Há setores que estão penando para não desaparecer. Então, todos têm de se adaptar à nova realidade. E isso envolve a renegociação de contratos, por exemplo. Só assim será possível desenhar soluções que sejam efetivas.
Premiação inédita
De concreto, quais oportunidades surgiram em 2020?
No caso da Fadel, onde eu passei a maior parte do tempo, houve alta no faturamento e no resultado financeiro. Inicialmente, nos preparamos para uma guerra de preços. Portanto, fechamos todas as torneiras. Mesmo que no varejo o volume negócios tenha crescido.
Dessa forma, ganhamos excelência. Além disso, buscamos oportunidades junto aos clientes cujos negócios estavam em expansão. O resultado foi muito positivo.
Isso rendeu até premiação. Ficamos, pela primeira vez, no ranking das 100 melhores empresas para trabalhar no Brasil. Ou seja, a crise ensinou que podemos fazer mais com menos.
Atenção aos motoristas
Quais práticas voltadas aos caminhoneiros estão mais presentes no dia a dia da empresa?
De modo geral, a JSL atua fortemente com terceiros. Para ampliar o apoio aos colaboradores, a Simpar criou a BBC. Ou seja, um braço financeiro que oferece planos de leasing e conta digital, por exemplo.
Entre as vantagens, essas contas não têm custo nem tarifas. Portanto, passamos a migrar todos os pagamentos de colaboradores para as contas da BBC.
Assim, o caminhoneiro poderá contratar financiamento e antecipar pagamentos. Além disso, ele ganha força para negociar com lojas de insumos, bem como com postos de combustíveis.
Graças à nossa capacidade de negociação, esses colaboradores vão ser beneficiados. Somos um dos maiores compradores de caminhões do País. Bem como de insumos e combustíveis.
Nesse sentido, também estamos desenvolvendo um projeto com a Vamos. Com isso, o colaborador vai poder alugar um caminhão condizente com os valores de frete que ele pode receber.
Para nós, o caminhoneiro é um grande e muito importante parceiro. Assim, se o colaborador ficar sob esse guarda-chuva ele só tem a ganhar.
Qual é a porcentagem de motoristas terceirizados atuando com a empresa?
Cerca de 70% dos motoristas são terceiros. Isso em termos de volume de negócios.
Meio-ambiente, questões sociais e governança
O que a JSL vem fazendo em relação às práticas ambientais, sociais e de governança (ESG)?
O grupo é extremamente envolvido nas questões ligadas às práticas de ESG. Nesse sentido, há comitês em todas as empresas. Além disso, temos metas audaciosas.
Na JSL, por exemplo, as medidas já começam em questões do dia a dia, como a reciclagem de resíduos. Da mesma forma, vamos começar a comprar caminhões elétricos neste ano. Assim, a nova frota vai atender empresas como a Ambev, entre outras.
Além disso, estamos investindo em estações de recarga com eletricidade gerada por energia solar. Ou seja, vamos desenvolver uma completa e sustentável.
Do mesmo modo, estamos estudando a viabilidade de caminhões a gás. Por enquanto, os testes são com veículos transformados. Ou seja, com kits, como os utilizados em táxis, por exemplo. Mas também queremos avaliar o caminhão da Scania movido a biometano.
Como resultado, o número de consultas de clientes interessados em práticas ligadas ao ESG vem crescendo.