A criação de um banco dedicado a caminhões e ônibus no Brasil em plena fase de Selic alta exigiu sangue-frio e execução. Em julho de 2025, a Traton Financial Services (TFS) iniciou operações como banco cativo da Volkswagen Caminhões e Ônibus, enquanto o Banco Volkswagen permaneceu com automóveis (Volkswagen, Audi, Ducati e Porsche).
A decisão do grupo, segundo o CEO Eduardo Portas, veio do peso do mercado brasileiro e do volume das marcas. Ou seja, Scania segue com seu próprio banco, e a TFS foca exclusivamente na VWCO.
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Porém, a transição não quebrou o elo com a rede. Profissionais que atendiam caminhões e ônibus migraram do Banco Volkswagen para a Traton FS. Assim, clientes e concessionários continuaram a falar “com as mesmas pessoas”, o que manteve capilaridade comercial e agilidade de crédito.
Além disso, a TFS entrou já com rating máximo local (“AAA”) atribuído pela Moody’s à nova operação. Esse movimento, segundo Portas, reconhece a continuidade do negócio e fortalece o acesso ao mercado de capitais.
Chegada da Traton Financial Service em novos cenários
Todavia, o pano de fundo é desafiador. Com Selic a 15%, transportadores alongam simulações, pedem mais cenários de fluxo de caixa e misturam produtos para fechar a conta. Como resultado, o pagamento à vista subiu de 30 % para acima de 40%. Enquanto consórcio saiu de 5% para perto de 10% nas entregas da marca. Por outro lado, o financiamento tradicional (CDC/Finame) segue, porém com carência mais curta. Agora três meses viraram o novo normal para evitar o “efeito bola de neve” dos seis meses.
Nesse sentido, a inadimplência dobrou em um ano nos bancos que atendem caminhões, segundo dados públicos do Banco Central monitorados pela TFS. Portanto, a análise ficou mais profunda e as aprovações recuaram 15% a 20%, embora a diretriz permaneça “buscar o sim”, seja aprovação parcial, seja ajuste de prazos.
Enquanto isso, o mix da VWCO ajuda a diluir risco setorial. Assim, do Delivery 11.180 aos Constellation semipesados, a carteira se espalha por bebidas, construção e distribuição urbana, reduzindo a dependência do agronegócio, no caso do Meteor extrapesado.
Confira a entrevista com o CEO da TFS, Eduardo Portas. O executivo, antes de assumir a liderança da Traton Financial Service, por 26 anos acumulou experiência no Banco Volkswagen.
Da mudança societária ao crédito mais seletivo
O que mudou com a chegada da Traton Financial Services e a saída do Banco Volkswagen do financiamento de caminhões?
O banco cativo da VWCO agora é a Traton Financial Services. O Banco Volkswagen ficou com automóveis. Além disso, a Scania segue com o Scania Banco. No nosso caso, montamos um banco do zero, com licença nova do BC. Mas trouxemos 60 especialistas que já atendiam caminhões e ônibus. Portanto, cliente e rede continuaram com o mesmo time e sem ruptura.
Por que manter bancos separados (VWCO e Scania) no Brasil?
Porque o País é estratégico e os volumes justificam dois bancos dedicados. Assim, cada marca preserva foco, governança e velocidade de decisão no crédito.
Como estrear um banco em ambiente de Selic a 15%?
Entramos “no olho do furacão”. Porém em parceria com a montadora. Desenhamos ofertas conjuntas para acessibilidade. Além disso, esperamos alívio gradual de juros a partir de 2026 e qualquer queda de 15% para 12% ou 10% já melhora o quadro.

Novos hábitos para compra de caminhão
Por causa disso, o comportamento de compra mudou?
Mudou muito. À vista saltou para acima de 40% e o consórcio dobrou (de 5% para 10%). Além disso, o cliente estuda mais, pede várias simulações e debate carência. Hoje, três meses viraram padrão saudável. E seis meses podem inflar o saldo em 8% a 9% antes da 1ª parcela.
Quem compra mais à vista?
Grandes frotistas de extrapesados. Todavia, há exceções. Empresas do ramo de distribuição urbana e embarcadores multinacionais também pagam à vista.
E o consórcio? Virou ferramenta de curto prazo?
Sim. Empresas fazem mix. Ou seja, parte no financiamento, parte no consórcio com lances (vendendo usado). Porém, o autônomo depende do único caminhão. Por isso, tem menos margem para vender o bem e arriscar não ser contemplado.
O mercado de usados mais aquecido ajuda o 0-km?
Ajuda e exige leitura. Pode sinalizar preferência por ticket menor. Porém facilita trocas com trading do usado na própria rede. Entretanto, taxa de juros de usado é mais alta pelo risco. Por isso, vender fora pode ficar mais difícil.
Traton Financial Service dentro da Volks
Em participação, quanto a TFS financia dentro da marca?
Mais de 60% do que é financiado é da Traton FS. E o restante fica com bancos de relacionamento do cliente. Portanto, nosso market share cativo é muito relevante.
A inadimplência subiu. Como o risco mudou “na prática”?
Ficou mais cuidadoso. Acompanhamos dados do BC e vimos inadimplência dobrar em um ano no segmento. Assim, ampliamos profundidade de análise, pedimos mais informações e, quando preciso, aprovamos parcialmente. Além disso, a taxa de aprovação caiu entre 15% e 20% frente ao passado não tão distante.
Nesse sentido, o Finame versus o CDC ficou parecido em rigor?
O Finame exige certidões do BNDES. E naturalmente, seleciona empresas mais organizadas. Entretanto, o apetite de risco do banco é o mesmo. Hoje, ainda operamos CDC e o Finame deve entrar na nossa operação até o fim do ano, mais tardar no início de 2026.
Vender linhas de produtos
E os elétricos, no caso do e-Delivery e-Volksbus contam com taxas especiais?
O capex é duas até três vezes mais que o diesel. Portanto, prazo é chave para a parcela “caber”. Mas há linhas específicas (inclusive BNDES). O desafio é equalizar fluxo da operação com o fluxo do financiamento.
Como a rede entra na estratégia comercial?
Cruzamos perfil de compra (entrada, prazo). Exemplo disso, é a recente campanha que fizemos com o Meteor, em que analisamos concorrentes e desenhamos uma taxa competitiva. Portanto, a campanha vai para a mídia com aderência real ao cliente-alvo e tudo em acordo com a fábrica.
A dispersão de aplicações da VWCO reduz risco de retração?
Muito. O portfólio da VWCO é pulverizado, de semileves aos extrapesados, o que dilui a dependência de um único setor. Assim, quando o agro sofre, por exemplo, a carteira não colapsa.
Regionalmente, algo muda?
Somos primeira opção em quase 150 concessionárias. No entanto, programas regionais com taxa subsidiada capturam parte das operações locais, o que é natural.
Seguro de casco ainda trava frotista?
É matemática. A partir de certo tamanho de frota, auto-seguro/provisão pode fazer mais sentido que apólice integral. Ainda assim, estudamos oferecer seguros (caminhão, atividades, motorista, seguro de crédito) para 2026.
Se tivesse que dar um conselho sobre o que o cliente deve fazer agora, qual seria?
Conversar com a concessionária e com a TFS. Simular fluxos e encaixar a parcela no ciclo de recebimento da operação. Além disso, evitar impulso. Ou seja, nem “sim” nem “não” sem conta na mesa.
O mercado para 2026
Quais as projeções para 2026?
Vemos queda gradual da Selic a partir de janeiro. Mas a velocidade da queda é ainda o ponto em aberto. Todavia, um dígito seria ideal para o transporte. Eleições trazem volatilidade, porém o Brasil roda depois do pleito. E teremos a Fenatran logo após. O que acelera lançamentos e o apetite do empresário.