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Rodopiro quer ampliar contratações de caminhoneiros surdos

A Rodopiro cria projeto de capacitação e desafia o preconceito ao abrir espaço para motorista surdo no transporte rodoviário

Andrea Ramos

14 de nov, 2025 · 8 minutos de leitura.

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Rodopiro Transportes
Rodopiro Transportes
Crédito:Rodopiro Transportes/Divulgação

A Rodopiro Transportes, especializada em cargas indivisíveis, ou seja, superdimensionadas, deu um passo inédito na sua história ao contratar seu primeiro motorista surdo. A iniciativa nasceu do olhar sensível da psicóloga Maria Angélica Piro, diretora da empresa, que sempre acreditou na força da inclusão como caminho de transformação social.

“Sentia que sempre havia algo me dizendo que era possível fazer mais. Eu já tinha trabalhado com pessoas com deficiência antes mesmo da lei de cotas existir. E isso sempre me tocou profundamente”, conta Angélica.

Dessa forma, a empresária, que aprendeu libras e se encantou com a cultura surda, viu no motorista Murilo Souza, de 32 anos, a oportunidade de tornar realidade um sonho coletivo. Do mesmo modo, provar que eficiência não depende de audição. Mas de talento, preparo e sensibilidade.

Do sonho à habilitação: a luta para dirigir

Rodopiro Transportes
Murilo Souza é surdo de nascença, mas com aparelho escuta o suficiente para poder dirigir - Rodopiro Transportes/Divulgação

A história do motorista Murilo começou com um desejo simples de ser caminhoneiro. Mas o caminho foi longo. “Ele não tinha nem CNH, muito menos categoria E. Fui com ele ao Detran, traduzi exames e acompanhei todo o processo”, relembra Angélica.


O preconceito apareceu em cada etapa. “Até os médicos duvidavam. Faltava preparo para entender que o surdo é capaz. Muitos não acreditavam que ele poderia dirigir caminhão pesado.”

Com apoio da família Piro e da equipe técnica da empresa, Murilo passou por três meses de treinamento supervisionado. Em outras palavras, no período ele ficou atuando em operações internas com cargas menores e trajetos controlados.

“Ele dizia que sentia o caminhão. Se o pneu furava, ele percebia pela vibração. Essa é a forma dele escutar”, explica a empresária, emocionada.

Quebrando barreiras dentro e fora da empresa

O processo de inclusão exigiu mais do que boa vontade. A Rodopiro precisou preparar toda a equipe. “Não se trata apenas de contratar. É preciso criar equidade, e o primeiro passo é a comunicação”, afirma Angélica.

Para isso, a transportadora promoveu treinamentos internos. Assim como estimulou funcionários a aprender libras e envolveu o time de manutenção, administração e escolta no aprendizado básico da língua.


Além disso, a empresa adaptou sua rotina. “Durante reuniões, temos intérprete. Quando ele precisa se comunicar com clientes, usa mensagens de texto (Murilo é alfabetizado na língua portuguesa) ou vídeo. Do mesmo modo, se necessário, fazemos a intermediação”, diz.

Murilo também ajudou a identificar gargalos externos. Em alguns terminais e portos, não havia suporte em libras. “Ele tirava foto das instruções e me mandava. Agora estamos trabalhando com os clientes para mudar isso.”

Um case que inspira outros transportadores

A experiência com Murilo se transformou em um projeto estruturado de capacitação. A Rodopiro pretende abrir novas vagas para surdos. Além disso, já trabalha com sua equipe técnica no desenvolvimento de dispositivos que facilitem a comunicação com surdos em viagens de cargas superdimensionadas, onde o contato por rádio é constante.

“Estamos aprendendo juntos. Ele nos ensina muito. Queremos formar mais motoristas e criar ferramentas visuais que substituam o rádio em comboios e escoltas”, revela Angélica.

Todavia, segundo a executiva, o medo e o desconhecimento ainda são as maiores barreiras entre os empresários. “Muitos acham que é impossível por falta de intérprete ou de preparo técnico. Mas quando se quebra a barreira da comunicação, o resto flui naturalmente. A inclusão acontece.”


Família, fé, propósito e inovação com empatia

A inspiração de Angélica também vem de casa. Filha de pais empreendedores e irmã de Marcela, que tem deficiência intelectual, ela diz que o contato com a diversidade moldou sua trajetória. “A Marcela foi o motivo de eu cursar psicologia. Disseram que ela nunca iria ler ou escrever. Hoje, com 40 anos, é apaixonada por livros. Foi Deus que me guiou para entender que cada pessoa tem seu tempo e sua forma de aprender.”

Fora da empresa, Angélica também se dedica ao trabalho voluntário com crianças com transtorno do espectro autista. “É minha forma de retribuir. E contratar pessoas com deficiência é continuar essa missão.”

Para Angélica, abrir espaço para motoristas surdos é apenas o começo. Ela acredita que o transporte brasileiro vive um momento de transformação humana. Ou seja, em que tecnologia, segurança e inclusão podem e devem caminhar juntas.

“Não podemos tratar a inclusão como algo especial. Ela precisa ser natural, parte da cultura das empresas. A Rodopiro mostrou que é possível. Dessa forma, queremos que outras transportadoras também tentem.”

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