Em 1970, João Naves vendia passagens de ônibus na rodoviária de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Dez anos depois, estreou no setor de transportes, mas sem caminhão. As primeiras operações da RTE Rodonaves eram feitas com uma bicicleta, batizada de "charmosinha" pelo então aspirante a transportador. O que Naves não imaginava é que, 40 anos depois, sua empresa seria uma das maiores transportadoras do Brasil.
Neste mês de novembro, a Rodonaves, cujo faturamento anual passa de R$ 1 bilhão, celebra seu 40° aniversário. Em entrevista exclusiva ao Estradão, o fundador e presidente da companhia afirma que a empresa vai dobrar de tamanho em cinco anos.
De acordo com ele, todo o time da Rodonaves, do carregador ao presidente, está envolvido no projeto. Recentemente, a companhia entrou no setor de transporte aéreo de cargas. E ampliará a aposta na área de locação de caminhões e máquinas em 2021.
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O grupo é formado por transportadora, seguradora, concessionárias (que vendem caminhões novos e usados da Iveco) restauradora e locadora de veículos. O número de colaboradores diretos e indiretos gira em torno de 8,4 mil. Neste ano, foram contratados 300 pessoas. A frota conta com 3.400 veículos próprios e de terceiros.
Rodonaves crescerá 16% em 2020
A Rodonaves projeta crescimento de 16% em 2020 sobre o faturamento de R $1,1 bilhão em 2019. O e-commerce está puxando essa alta?
Eu diria que o e-commerce ajudou bastante, porque nossos clientes, grandes distribuidores que atuam nessa área, estão recebendo mais pedidos. E, por isso, nossa demanda aumentou também. Mas não foi só isso. Parceiros de outras áreas passaram a fazer mais pedidos. O e-commerce ajudou, mas não foi o principal motivo do crescimento.
Como o senhor avalia o desempenho da Rodonaves no enfrentamento à crise pandêmica?
Tivemos um momento difícil entre maio e abril, com uma queda de 50% no movimento. Mas corremos atrás e buscamos alternativas. Ficamos mais próximos dos nossos clientes e não cortamos benefícios e nem linhas de atendimento de transporte. Isso nos fortaleceu e ganhamos muito mais confiança dos nossos parceiros.
O senhor acredita que a demanda ligada ao e-commerce continuará a ser forte? Como a Rodonaves vem se preparando para atender o mercado?
Neste ano, não perdemos as boas oportunidades. Se esse mercado continuar aquecido, e se houver necessidade, podemos investir mais na frota. Não há nada nos impeça se for preciso.
Investimentos em 2021 serão 5% maiores
Os investimentos mais relevantes feitos pela empresa nos últimos cinco anos foram em frota, ou tecnologias de gerenciamento de risco?
Os maiores investimentos são sempre em tecnologias para acompanhar as evoluções e em pessoas. Essas duas frentes precisam sempre estar conciliadas. Me preocupo com os colaboradores e, também, em ter uma boa frota. Nos últimos cinco anos compramos uma média de 180 caminhões por ano. Entre leves, médios e pesados. Também inauguramos pelo menos um barracão em diferentes cidades todos os anos. Isso para acomodar melhor as mercadorias e ter uma conexão mais rápida.
Quais são os planos de investimento para os próximos anos?
Se a demanda continuar aquecida em 2021, vamos aumentar o número de caminhões próprios para um pouco mais de 200 unidades. Nossa meta é dobrar o tamanho da empresa nos próximos cinco anos. E não vamos poupar investimentos em tecnologia e equipamentos. Toda a empresa está envolvida nessa meta. Desde o carregador até a presidência. Para o ano que vem, o orçamento para investimentos já está 5% maior do que o de 2019.
Parceria com a TAM começou a ser desenhada há dois anos
Da bicicleta, há 40 anos, ao avião atualmente, o senhor acreditava que chegaria tão longe?
É difícil dizer. Não sei dizer se sonhava tanto. Deus é tão bom para mim que me deu até aquilo que eu nunca sonhei. Jamais, sem dinheiro, eu poderia sonhar tanto. Há um tripé que sempre me ajudou muito: fé em Deus, família e trabalho. Com base nesses três pilares você consegue tudo que quiser.
Como funciona a parceria da Rodonaves com a TAM e por que o senhor decidiu entrar no modal de transporte aéreo de cargas?
Nossa meta com o transporte aéreo é cumprir prazos e horários de entregas para o cliente final. É um trabalho que começou a ser desenhado há dois anos. O aéreo é bem diferente do rodoviário. É preciso haver muito mais treinamento, por exemplo. Mas o mais importante é atender às necessidades do cliente, Não importa como.
O grupo tem 8,4 mil colaboradores e contratou 300 pessoas neste ano. Isso tem a ver com o aquecimento do mercado de transportes? Quais são os planos de contratação para 2021?
Temos orgulho por ter contratado 300 pessoas em um ano marcado pela pandemia. E 2021, vamos contratar também se a demanda continuar crescendo e houver necessidade. Tomara que a gente consiga abrir mais uns 500 postos de trabalho.
O grupo é dono das concessionárias Iveco?
Sim, temos cinco concessionárias Iveco e duas delas estão completando dez anos. Vendemos caminhões novos e também usados, que vêm da nossa própria frota e que pegamos na troca.
A Rodonaves atua no mercado de locação de caminhões?
Atualmente, fazemos alguns negócios, mas de forma pontual. No ano que vem vamos aumentar a atuação no segmento, oferecendo aluguel de caminhões e máquinas. Vamos entrar definitivamente nesse segmento.
Receita de gestão
Quais fatores levaram a Rodonaves a ser uma das maiores transportadoras do Brasil?
Desde o início, eu sempre olhava para os clientes. Quando comecei a trabalhar na rodoviária (de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo) com ônibus, não tinha conhecimento e nem estrutura. Nem a bicicleta eu tinha. Mas, na minha cabeça, eu tinha de fazer um trabalho melhor do que os outros. Tinha de ter pontualidade e cumprir aquilo que eu prometia entregar. Com o tempo, a estrutura foi mudando e crescendo. Para manter esse ideal não é fácil mesmo .Mas quando você tem uma direção e ela é sempre ajustada, a cada dia há um desafio novo. Mas também há uma nova vitória. Para construir uma empresa saudável é preciso respeitar as leis, os colaboradores, clientes e fornecedores.
Especialistas em transportes dizem que o que pode destruir uma transportadora é a cobrança inadequada do frete. O que o senhor pensa sobre isso?
Mesmo se estiver com galpão cheio de carga, o transportador pode quebrar se não fizer uma boa gestão. Isso significa ter boa estrutura para fazer as entregas. Precisa colocar os custos na ponta do lápis. Há alguns anos o valor do frete está defasado, mas se a empresa investe na qualidade dos serviços, dá para negociar melhor. É preciso investir sempre em uma boa estrutura e em pessoas. Muitos dos novos empresários acreditam que o dinheiro ganho na empresa é para ser gasto pela pessoa física. Eu e minha família sempre investimos primeiro na empresa. O mercado precisa de empresas sérias e de um preço mais justo de frete. Isso depende muito dos transportadores. Se a gente se unir, sempre vai dar para fazer algo um pouco melhor.
Frete baixo não garante qualidade
Então quem oferece um serviço melhor consegue negociar mais facilmente?
Por causa das dificuldades que vão surgindo, muitos clientes acabam procurando por valores de frete mais baixo. Mas acabam constatando que o importante é contratar uma transportadora que cumpra o prazo prometido. Quando você oferece mais qualidade, conquista espaço para barganhar.
O senhor acredita que nos dias de hoje é possível uma transportadora de pequeno porte virar um empresa do tamanho da Rodonaves?
Não dá para crescer de uma hora para outra. Você não pode cobrar o valor que quer e fazer o que quer. Quando você começa a ganhar dinheiro, seja com uma Kombi ou um caminhãozinho, quando começa a ganhar crédito, você tem chance de crescer. Quando você leva as coisas a sério e fica claro para o cliente porque você tem um custo diferenciado também dá força para crescer. Mas é preciso cultivar tudo isso ao longo do tempo.
Sem planos de abrir o capital
O que é necessário para um empresa familiar dar certo?
Um bom diálogo com a família. Aqui há muitos parentes meus e da Vera Naves (vice-presidente). Mas não somos nós que contratamos e nem somos nós que mandamos embora. E, para a pessoa entrar na empresa, tem de ser igual ou melhor que os colegas. No início eu me envolvia muito, mas eu tenho o coração aberto. Hoje são eles que resolvem. Também é preciso dar exemplo. O dono tem de ser o primeiro a chegar e o último a ir embora.
Várias empresas do porte da Rodonaves abriram o capital a investidores, inclusive estrangeiros. O senhor já pensou nessa hipótese e/ou recebeu ofertas?
Não faltam ofertas. A gente não comenta muito sobre isso, mas há várias propostas e muito dinheiro rodando por aí. Mas eu não criei a empresa para ganhar dinheiro com esse tipo de negócio. Somos uma empresa familiar. Vou pegar o dinheiro e fazer o quê? A Rodonaves é uma empresa que tem valor muito bom de mercado e por isso recebe propostas encantadoras. Mas não abro mão do que criei.
Qual é o valor de mercado da Rodonaves?
Precisaria levantar...eu não me preocupo com isso. Fico sabendo pelas propostas (risos). Para mim, é o maior valor que tem nesse País. Não sei o que faria sem a minha empresa. Nem sem minha família. Nem sem nossos colaboradores.
Rotatividade de motoristas é baixa
A rotatividade de motoristas é baixa. Como é o plano de carreira para esses profissionais?
Desde o começo da Rodonaves, prezo pelo bom diálogo com os motoristas. Além disso, sempre os incentivamos com premiações para valorizar o trabalho deles. Essa política se estendeu por décadas e continua firme e forte. Nos primeiros anos da empresa, eu cuidava pessoalmente dos motoristas. E quando deleguei essa tarefa, deixei a seguinte orientação: 'sempre aperte a mão desses profissionais e pergunte se ele foi bem de viagem'. Também oriento os chefes a não pressionarem o motorista por causa de atrasos. Passar a noite toda na estrada e ainda 'levar dura' na hora que chega é complicado. Cuidamos bem deles e crescemos juntos. Criamos um bom ambiente de trabalho e pagamos bem. Não temos motoristas sobrando, mas o mercado não tira os motoristas da Rodonaves.
Quais são os benefícios mais atrativos oferecidos aos motoristas?
Temos uma lista com dez tipos de requisitos, que vão desde andar alinhado, com o uniforme bem passado, até dirigir de forma a economizar combustível. A premiação chega a 30% do salário. Também cuidamos bem da alimentação de todos. Além disso, fornecemos cestas básicas e um bom convênio médico que garante atendimento no Brasil inteiro. São várias coisas que, somadas, se transformam em um pacote legal de benefícios.