Entrevista

Roberto Leoncini, da Mercedes-Benz, quer reduzir falta de motoristas no Brasil

Ex-vice-presidente da Mercedes-Benz, virou conselheiro da empresa e diz que vai se dedicar a resolver falhas graves do setor de transporte

Andrea Ramos

26 de jan, 2024 · 14 minutos de leitura.

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Para Roberto Leoncini, da Mercedes-Benz, o setor deve tratar da falta de motorista
Roberto Leoncini
Crédito:Mercedes-Benz/Divulgação
Para Roberto Leoncini, da Mercedes-Benz, o setor deve tratar da falta de motorista

A Mercedes-Benz do Brasil contou, nos últimos 10 anos, com o talento de Roberto Leoncini. O executivo acaba de deixar a vice-presidência da divisão de caminhões para assumir uma cadeira no conselho da empresa no País. Com a aposentadoria da área de vendas, Leoncini diz que agora tem tempo para se dedicar a outras tarefas. Nesse sentido, ele iniciou um projeto que visa diminuir a falta de motoristas profissionais no Brasil.

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As estradas falam

Assim, ele diz que quer ser "um agente de provocação no setor e entender ainda mais o negócio do cliente, suas demandas e dores”. Durante sua gestão, a Mercedes-Benz desenvolveu a cultura de sempre ouvir os clientes com atenção. Assim, segundo ele, é possível oferecer a solução mais adequada. Portanto, isso pode ser um caminhão ou ônibus ou mesmo um tipo específico de serviço.


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Nesse sentido, ele criou o Dia do Cliente. Ou seja, em que a Mercedes-Benz abre as portas para receber os consumidores de produtos e serviços da marca. A ação, que começou em 2019, na fábrica de São Bernardo do Campo (SP), virou anual e foi expandida para outros países onde a empresa atua. Isso inclui a sede da companhia, na Alemanha.

Nesta entrevista, Leoncini faz uma análise do mercado de caminhões e ônibus no Brasil. Além disso, fala sobre os futuros desafios, que incluem a introdução de novas tecnologias. E também sobre a falta de motoristas, um dos maiores gargalos do setor no Brasil e no mundo.

Demandas do transportador

O sr. diz que quer pensar mais no transporte e entender as dores do transportador...


Eu acho que o Brasil ainda tem pouca barreira de entrada para alguém atuar na logística. No transporte de passageiros tem mais barreiras de entrada, por se tratar de uma operação mais especializada. Mas, a pouca barreira de entrada não valoriza os transportadores que estão no negócio há bastante tempo. Ou seja, que investiram e fizeram o transporte acontecer.

Outra dor que o transportador enfrenta no Brasil é com relação à governança. Nesse sentido, estamos vendo a segunda e terceira gerações assumindo o comando. E as empresas familiares precisam mudar de patamar. Para isso, estão buscando a profissionalização.

Além disso, cada vez mais há mais pressão do embarcador pela redução de custos. E o transportador fica no meio do caminhão. Afinal, ele não tem tanta força como os grandes embarcadores. Ou seja, são muitos desafios, ainda mais se a gente levar em conta que o Brasil continua sendo puramente rodoviário. E vai continuar assim por muito tempo.


Sobre as novas tecnologias, trata-se de um desafio para o empresário?

Sim. Em algum momento teremos que falar de veículos com emissão zero. Falar sobre qual será o destino da emissão zero no Brasil em algumas rotas. Vai ser combustão interna a hidrogênio, célula a combustível, enfim. Mesmo porque, o elétrico servirá no ambiente urbano e de curtíssimas distâncias. Nesse sentido, o transportador vai precisar de muito suporte para fazer essa transição no futuro.

Transporte e evolução

O sr. acredita que o transportador está aberto para essa evolução?


Algo que eu vejo, e que me deixa feliz, é que cada vez mais a maturidade do empresário de transporte está mudando de nível. Atualmente, as conversas são diferentes. E a montadora, como é o caso da mercedes-Benz, é mais demandada. Há conversas técnicas e com olhar para o futuro.

Um exemplo disso é que antes a montadora tinha muito mais facilidade de impor algumas coisas. Agora, é mais desafiada a trazer soluções.

Isso é um desafio para a indústria?


Sem dúvida. Sobretudo para a indústria local. Porque a solução do outro lado do mundo não serve para o Brasil. O que serve para a Europa, às vezes não serve para o Brasil. Afinal, são rodovias, distâncias e legislações diferentes. Então, esse é o desafio da montadora. De parar, pensar e conseguir provocar as matrizes para trazer soluções adequadas para o Brasil.

Evidentemente, a matriz olha qual é a solução que caberia em todo lugar em que a marca atua. Todavia, a vantagem que a gente tem é que nosso mercado é de extrema importância para qualquer montadora de caminhão do mundo. O tamanho do mercado brasileiro impõe respeito. Assim, os executivos que atuam na Mercedes-Benz do Brasil, por exemplo, têm força para trazer soluções mais adequadas para o País.

Tendências tecnológicas

Nesse sentido, quais tendências o sr. destacaria para o Brasil?


Eu acredito no veículo elétrico para a distribuição urbana. Ou seja, a última milha. Também acredito que no médio e longo prazo o elétrico entre na média distância, de 300 km a 400 km, que no Brasil vira curta distância. Também acredito no hidrogênio para longas distâncias. Nós temos energia, temos fonte verde.

Porém, há desafios, porque a tecnologia é cara e a gente sabe como o frete é depreciado no Brasil. Dificultando a remuneração para a adoção da nova tecnologia. A mudança do Euro 5 para Euro 6 é um exemplo disso.

Como o sr. avalia o gás como solução para reduzir as emissões do setor no Brasil?


Se começarmos a ter corredores azuis e o biometano virar interessante, aí a gente vai começar a olhar o gás de forma diferente. Porém, o gás não garante zero emissão. Além disso, é um caminho e que exige implantação de infraestrutura.

Portanto, eu faço o seguinte questionamento. Temos dinheiro para investir no meio do caminho (para o veículo de emissão zero)? Porque depois vamos ter de abandonar (essa tecnologia) para ir para outra. Enfim, países desenvolvidos talvez tenham essa condição. Atualmente, a frota global de caminhões a gás é muito pequena. Por outro lado, o Brasil pode ser um divisor de águas. Não descarto isso.

Falta de motorista

O sr. disse que quer fazer provocações no mercado. Em quais temas vai atuar?


Há vários temas que precisam ser tratados. No entanto, tenho conversado muito dentro das federações, sindicatos, etc, sobre como podemos atrair o jovem para ser motorista de caminhão. Atualmente, essa é a maior preocupação do setor. Nos Estados Unidos, por exemplo, há um grande movimento para tornar o veículo autônomo uma alternativa à falta de motoristas. Mas ainda não enxergo caminhões andando sozinhos em todos os países do mundo.

Assim, temos a chance de fazer essa provocação. Ou seja, de como trazer o jovem e a mulher para ser motorista de caminhão. Afinal, vivemos num País com alto índice de desemprego. É uma profissão que remunera bem.

Por que ocorre a escassez de motoristas?


Um tema que devemos abordar é sobre a forma como o motorista é tratado. Sobretudo quando o caminhão está sendo carregado e descarregado. Temos de atuar na infraestrutura de descanso para esse motorista. Enfim, são muitas provocações que devemos fazer. Toda parte política do transporte deveria estar olhando para isso. Sem dúvida, é o maior problema atualmente.

Na Mercedes-Benz, a gente apoia Fabet, que oferece treinamento para os motoristas. E queremos fazer mais. Porque treinar é responsabilidade da indústria. Mas formar não estava no nosso radar. Porém, agora passou a ser uma das nossas preocupações.

Consequências no longo prazo

Isso impacta o negócio da montadora?


A Mercedes-Benz já deixou de vender caminhão por falta de motorista. Há clientes que disseram que tinham demanda que geraria a possibilidade de comprar mais 100 ou 200 caminhões. Bem como de ampliar a frota em até 50%. Porém, não fizeram isso porque não encontram motoristas. Como alternativa, eles terceirizaram a operação para cumprir os contratos. A falta de motorista vem ocorrendo há, pelo menos, 10 anos. Porém, agora está se agravando.

O sr. é um defensor da renovação de frota. Como avalia a ação do governo feita no ano passado?

Acredito que aquele programa foi uma provocação. Agora, cabe a todos os envolvidos manter essa discussão. Porque não adianta cair no vale novamente. 


Assim, por meio da Anfavea nós, da Mercedes-Benz, queremos que o programa de renovação de frota aconteça de verdade. E não queremos ter benefícios como indústria automotiva. Defendemos um programa no qual cada elo da cadeia tenha a sua responsabilidade. Porque é inaceitável ter uma frota com veículos de mais de 25 anos. Ainda mais quando estamos discutindo a eletrificação.

Ônibus

Quais foram as maiores evoluções no setor de ônibus e o que vem a seguir?

No segmento de ônibus rodoviários podemos destacar os sistemas de segurança. Eles ajudam o motorista e a tomar conta dos passageiros. Temos um grande desafio em relação aos elétricos. O produto é ótimo, mas precisa da infraestrutura para funcionar nas cidades. No momento, há muito movimento político enfatizando aumento do volume. E pouco gente olhando para a infraestrutura necessária para ter um grande número de ônibus elétricos rodando de fato.


Creio que um grande desafio é construir a infraestrutura para que as coisas possam acontecer. Porque, como morador de uma cidade grande, vou achar ótimo quando o transporte público for 100% elétrico. Assim como quando o caminhão de coleta e de entrega urbana também for movido a eletricidade.

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