Presidente da Associação Nacional do Transporte de Carga, NTC &Logística, Francisco Pelucio tem 78 anos. O paulista de Marília começou a trabalhar no setor de transportes quando tinha 14 anos. Ele fundou três transportadoras, que agora são comandadas por seus filhos, e atua na NTC&Logística há três décadas. Também presidiu o Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região (Setcesp) entre outras associações.
Nesta entrevista ao Estradão, Pelucio relembra momentos importantes do setor no Brasil. E diz que um dos principais desafios é a desoneração permanente da folha de pagamento. “Seria um presente para comemorar o Dia do Transportador, celebrado em 17 de setembro. E também o aniversário de 57 anos da NTC”, brinca.
O executivo fala ainda sobre as dificuldades enfrentadas durante a pandemia do novo coronavírus e as perspectivas para o setor. E afirma que um programa de renovação da frota teria de ir muito além da compra do caminhão novo. Confira a entrevista completa.
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Principal demanda da NTC
Qual seria o melhor presente para o setor neste Dia do Transportador?
Uma votação favorável do Supremo Tribunal Federal (STF) à desoneração da folha de pagamento. Nós (da NTC) vínhamos trabalhando nessa reivindicação. Ela foi aprovada na Câmara dos Deputados, mas vetada pelo presidente Jair Bolsonaro. Agora deverá ser julgada pelo STF.
Trajetória
De qual conquista da NTC o senhor mais se orgulha?
Uma das coisas que mais marcou nossa atuação foi quando (o ex-presidente) Itamar Franco assinou a lei proibindo o capital estrangeiro no País. Depois a entrada foi liberada e empresas internacionais voltaram a atuar no Brasil. Mais recentemente houve a conquista (temporária) da desoneração da folha de pagamento. Agora a decisão está com o Supremo Tribunal Federal.
Qual foi o ganho gerado pela proibição de capital estrangeiro no País?
Era só capital nacional e só os brasileiros podiam transportadoras. O ganho ficou para nós. Hoje tem Fedex, DHL...
Pandemia
As empresas estão otimistas com relação à recuperação dos negócios?
Não temos como recuperar o tempo perdido. Se a empresa deixa de transportar, os prejuízos não são recuperados depois. Agora o objetivo é aproveitar quando a demanda voltar aquecer. A safra de soja e milho acabou. Mas em janeiro e fevereiro de 2021 começa tudo de novo. E a expectativa é de uma safra recorde.
Quanto as empresas do setor perderam por causa da pandemia?
Verificamos que há empresa que chegou a perder 80% do faturamento. Algumas, que trabalham com setores aquecidos, como e-commerce, cresceram. Os Correios ficaram comprometidos e quem faz esse tipo de entrega se beneficiou. E há transportadora que precisou investir e comprar mais caminhões porque as entregas de encomendas cresceram muito.
Com cenários tão distintos a balança ficou equilibrada?
Deu uma pequena equilibrada. Mas isso não foi suficiente para segurar a queda do setor como um todo.
A falta de alguns modelos de caminhões zero-km atrapalha o desenvolvimento do setor?
Hoje não há caminhão novo para entrega imediata. Temos informações sobre longas filas de espera por caminhões da Mercedes-Benz e da Volkswagen, por exemplo. Como as montadoras precisaram parar a produção há alguns meses (por causa da quarentena) o reflexo está aparecendo agora. Faltam equipamentos também. Quem faz ficou parado uns cinco meses e a recuperação será lenta.
Isso impacta o acesso do transportador ao caminhão novo?
Segundo informações de algumas lojas de usados, quase todo o estoque foi vendido. Cono faltam caminhões novos, alguns transportadores compram o usado mesmo. Isso está gerando alta nos preços. O que não pode é deixar de transportar. Se não há novo, tem de ir para o usado.
Perspectivas da NTC
O frete está desvalorizado e o empresário teve perdas importantes. Como o setor ficará após o fim da pandemia?
A culpa da defasagem do frete é do próprio empresário. Tem aquele que cobra o certo, tem o que cobra mais ou menos certo e o que cobra errado. O que cobra errado é o que está defasado. Ele trabalha com valores mais baixos, mas não recolhe impostos e acaba devendo ao Estado.
Há registro de empresas que faliram por causa da pandemia?
Não temos informações de empresas que faliram por causa da pandemia. Algumas estão com dificuldade para conseguir a liberação de empréstimo, mas o governo acabou ajudando. O crédito está mais acessível e há contratos com prazos maiores de pagamento.
Os transportadores continuam reclamando da dificuldade de acesso a crédito...
O governo liberou, mas os bancos não liberavam. O auxilio emergencial pago aos brasileiros também ajudou, porque o consumo não parou. Se esse dinheiro não tivesse chegado às mãos das pessoas, o consumo iria cair ainda mais. Acredito que essa ajuda é importante. A falha do governo foi vetar a desoneração da folha de pagamento.
Renovação da frota
Um programa focado na renovação de frota ajudaria as empresas?
Participo da entidade há 30 anos e ouço essa promessa há muito tempo. Mas basta trocar o ministro que tudo volta para trás. Na abertura da Fenatran de 2019, a NTC reiterou a importância do programa de renovação. Até o o governador de São Paulo, João Doria, discursou favoravelmente. Mas nada acontece.
O que um programa de renovação de frota deve ter para ser eficiente?
É preciso tirar os caminhões de 30 anos ou mais de circulação. Esses veículos devem virar sucata. Esse material poderia ser vendido para as siderúrgicas. É preciso investir nessa estrutura. Acredito que um programa de renovação de frota eficiente traria algo assim. Mas falta muito para que esses veículos antigos saiam de circulação.
Os caminhões velhos são de motoristas autônomos, que não conseguem comprar um novo. Como resolver isso?
O autônomo não consegue mesmo comprar um caminhão zero-km. Os planos de financiamento não são acessíveis para eles. Só se houver apoio do governo. O que seria interessante é se a grande transportadora, por exemplo, vendesse o caminhão mais novo, de 15 anos, por exemplo, pra quem não consegue comprar um novo.
A NTC participa de conversas sobre renovação de frota?
Sempre participamos. Nossos diretores estão cuidando desse assunto com bastante carinho. Esperamos que a próxima edição da Fenatran seja uma aliada. Nesse evento conseguimos mostrar a modernidade dos novos veículos e chamamos a atenção para temas como a necessidade da renovação da frota. A gente vai conseguir renovar a frota, sim. Vai demorar, mas vai chegar um momento que isso vai acontecer. Não podemos aceitar mais que veículos com 20 anos de uso sejam maioria no Brasil.