A situação econômica delicada na Argentina já afeta as operações de transportadoras brasileiras que atuam no país vizinho. Não bastasse isso, em algumas regiões há falta de diesel para abastecer a frota, o que agrava as atividades locais. Além da falta do combustível, as empresas estão reféns dos altos preços do diesel. Isso porque a crise já ocorre há algum tempo. Em junho, culminou em greve realizada por transportadores e motoristas autônomos locais.
Na ocasião, algumas estradas argentinas que são "corredores estratégicos" do Mercosul foram bloqueadas, como forma de chamar a atenção do governo. A falta de combustível ocorre porque as petrolíferas que importam o diesel não conseguem vendê-lo pelo valor de compra. Isso porque o governo impede que o preço seja repassado ao mercado diante da atual crise. Entretanto, na prática, o consumidor já sente o custo do diesel no bolso.
Margens diluídas
A SVD Transportes mantém operações na Argentina, no Chile e no Peru. A empresa transporta veículos comerciais, bem como máquinas agrícolas e de construção das principais fabricantes brasileiras com destino a esses países. Contudo, de acordo com o diretor de operações, Sergio Pzichoz, houve recuo nas margens das operações argentinas. Sobretudo por causa da alta do preço do diesel na ordem de 106% só nos últimos seis meses de 2022.
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Ou seja, apesar de o preço variar por região, na média, o valor do litro do diesel era de 99,99 pesos argentinos em 31 de dezembro de 2021. E, em junho de 2022, chegou a R$ 206 pesos. Ou seja, quando convertido para o real, o diesel argentino saltou de R$ 5,40 para R$ 8,70. Vale ressaltar que essa variação é menor por causa da desvalorização do peso.
Redesenhando a rota
Seja como for, Pzichoz informa que, apesar do aumento do combustível, o desafio é achá-lo nos postos locais. Por isso, teve de desenvolver estratégias. "Como a SVD trabalha com motoristas argentinos, conseguem encontrar diesel mais fácil. Mesmo porque há uma medida em que os postos de combustível só podem vender em média 50 litros de diesel por cliente. Para que todo mundo tenha acesso ao diesel", explica o diretor da SVD (foto).
Em razão disso, a empresa redesenhou rotas. Umas estão mais curtas, outras consideram onde tem mais postos de combustível. Ademais, a empresa só transporta o cavalo-mecânico naquele país. E, como o veículo vai rodando, o consumo é menor. "Mas eu diria que, hoje, o nosso maior problema é o elevado custo do transporte. Em especial dentro da Argentina pelo aumento do preço do diesel. O fornecimento do combustível não tem tanto impacto", diz Pzichoz.
Renegociando contratos
Para tentar reduzir o efeito desses aumentos, quando o diesel atinge um certo percentual, há um gatilho estipulado em contrato. Assim, é possível repassar essa alta dos custos aos clientes. Nesse caso, as montadoras. Todavia, não são todos os clientes que aceitam o repasse. Assim, a SVD até perdeu alguns contratos.
Por tudo isso, a transportadora também tenta reduzir os custos das operações. Nesse sentido, passou a estabelecer contratos diretos com postos de combustíveis no Brasil. Assim, foi possível reduzir o valor do litro comprado. Do mesmo modo, renegociou contratos.
Receber em câmbio desvalorizado
Diretor-presidente da ABC Cargas, Danilo Guedes (foto) também é vice-presidente para assuntos internacionais da NTC&Logística. O empresário explica que a situação na Argentina se agravou há cerca de um mês.
Ele reconhece que há um problema com a alta do diesel. E de que fato prejudica a operação de transporte local. Porém, o mais agravante está em receber na Argentina, pois não é possível fazer a remessa do dinheiro para o Brasil. Ou seja, além de receber em pesos, desvalorizado frente ao real, não é possível fazer a remessa do dinheiro para o País.
"Assim ficou difícil trabalhar na Argentina. As empresas brasileiras podem até fazer frete para a Argentina, mas não têm como receber. Do mesmo modo, as empresas na Argentina não têm como remeter dinheiro para o Brasil. Ou seja, a operação não se paga", diz Guedes.
O vice-presidente para assuntos internacionais da NTC também ainda afirma que, por causa dessa situação, muitas empresas brasileiras deixaram de atuar na Argentina. A crise fez saltar o risco de calote. Com isso, Guedes que, pela ABC Cargas, transporta caminhões feitos no Brasil para a Argentina, informa que o volume de operação naquele País caiu 60%. "E de importação a retração foi ainda maior. Pois eu não tenho cargas Argentina para trazer ao País", diz.
Braspress descontinuou sua operação doméstica na Argentina
A Braspress deixou de operar na Argentina antes mesmo da crise se agravar. A transportadora brasileira manteve por três anos uma operação doméstica relativamente pequena. Porém, com ativos próprios. Ou seja, mantinha três prédios: Buenos Aires, Córdoba e Rosário, bem como uma frota própria e funcionários locais.
De acordo com o diretor de operações, Luiz Carlos Lopes, logo com a chegada da pandemia da Covid-19 as condições econômicas da Argentina se complicaram. Além disso, com a concorrência local trabalhando cada vez com menores margens, ficou inviável para a Braspress manter a atividade local. Apesar de a empresa não revelar números, o diretor diz que a atividade local fechou no vermelho. "Nós investimos na Argentina, porque levamos nossa filosofia de verticalização, com frota própria, filiais, motoristas, etc. Contudo, mesmo com a venda dos ativos, a empresa não chegou a recuperar o investimento".
Por outro lado, a transportadora paulista mantém sua operação no Mercosul. E, apesar da crise, o país vizinho representa 60% do volume da transportadora na rota Conesul. Nesse sentido, a Braspress atua no setor de autopeças, vestuário, pneus entre outros, mas com o fluxo maior no Brasil. Contudo, sobre a atual crise do diesel, a Braspress admite que houve aumento de custo, entre 30% e 40% no último ano. E que teve de realinhar com os clientes.