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Caminhoneiros surdos querem espaço nas estradas e desafiam preconceito

Apesar de barreiras burocráticas, projeto Caminhoneiros Surdos do Brasil mostra que motoristas com deficiência auditiva podem ser alternativa para a escassez de profissionais

Andrea Ramos

24 de set, 2025 · 6 minutos de leitura.

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Caminhoneiros surdos querem espaço nas estradas e desafiam preconceito
caminhoneiros surdos do Brasil
Crédito:Fotos: Andrea Ramos/Estradão
Caminhoneiros surdos querem espaço nas estradas e desafiam preconceito

A luta pela inclusão de caminhoneiros surdos no Brasil ganha força com o movimento liderado por Raquel Moreno, idealizadora do projeto Caminhoneiros Surdos do Brasil. Ainda em processo de formalização como associação, o grupo já reúne mais de 150 motoristas habilitados. Embora muitos enfrentem grandes obstáculos para exercer a profissão.

De acordo com Raquel, um dos principais entraves está na falta de informação e no preconceito nos Detrans. “Há casos de surdos que sequer conseguem passar da recepção por não haver intérprete de Libras disponível”, relata.

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Além disso, a lei atual exige que o candidato com perda auditiva chegue a 40 decibéis com o uso de aparelho auditivo. O que restringe as oportunidades.

Um projeto de lei em tramitação no Senado (PL 2634/21) pode mudar esse cenário. Todavia, a proposta está parada na última comissão antes de ir a plenário. Se aprovada, permitirá que qualquer surdo, independentemente da condição auditiva, possa dirigir caminhão, desde que cumpra os mesmos exames exigidos dos ouvintes.


Preconceito ainda é barreira

Além da burocracia, o preconceito continua sendo um dos maiores desafios. Muitos transportadores questionam como um caminhoneiro surdo reagiria diante de situações inesperadas. Ou seja, como o estouro de um pneu ou a passagem de uma ambulância.

No entanto, Raquel rebate. “O motorista surdo é extremamente visual. Ele sente a vibração do veículo e acompanha o retrovisor com atenção redobrada. A surdez não o limita. Pelo contrário, desenvolve outras habilidades.” Ademais, ela lembra que grande parte da resistência se deve à falta de conhecimento.

Um exemplo de superação nas estradas

Entre os pioneiros está Murilo Souza, 32 anos, contratado pela Rodopiro Transportes Pesados, de Sorocaba. Ele sempre sonhou em dirigir caminhão, inspirado pela família. Surdo de nascença, ouviu durante anos que não seria capaz de seguir essa carreira. Contudo, há pouco mais de um ano, conquistou sua oportunidade e dirige um Scania.

“Eu e o caminhão somos um só”, afirma Murilo. Em uma das viagens, ao sentir a vibração estranha durante a descida, reagiu com rapidez. Logo, encostou o veículo, sinalizou e pediu ajuda no pedágio. Mesmo sem ouvir o barulho, identificou o problema por meio da sensibilidade e da atenção visual. “Isso prova que somos iguais, não há diferença nenhuma”, explica.

Segundo ele, a confiança da Rodopiro foi decisiva. “Muita gente dizia que era impossível. Mas a empresa acreditou em mim. Transporto cargas de alto risco e mostro todos os dias que surdos podem, sim, dirigir caminhão com responsabilidade.”


Alternativa para a falta de motoristas

O projeto promove inclusão social. Mas também pode ajudar a enfrentar a escassez de motoristas no transporte rodoviário. Com milhares de vagas abertas no setor, incluir caminhoneiros surdos representa uma oportunidade de ampliar a força de trabalho e reduzir gargalos logísticos.

Além disso, como destaca Raquel, “cada surdo habilitado quebra o mito de incapacidade. E mostra que as estradas podem ser mais diversas e inclusivas”.

Caminho de visibilidade

Apesar das dificuldades, a causa vem ganhando apoio de empresas e patrocinadores. Nesse sentido, os motoristas têm participação no documentário promovido pela Mobil Delvac, bem como em campanhas de conscientização. Assim, ampliando a visibilidade dos caminhoneiros surdos.

Raquel, que convive com a Síndrome de Usher e também perdeu a audição, resume sua missão. “Fui incluída no mundo deles e não posso ficar parada. Enquanto tiver forças, vou lutar para que os surdos tenham o direito de dirigir caminhão e conquistar dignidade pelas estradas do Brasil.”

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