O hidrogênio desponta como uma das alternativas mais promissoras para descarbonizar o transporte pesado. De acordo com especialistas, esse combustível tem potencial para substituir gradualmente o diesel, garantindo a autonomia e a eficiência exigidas pelo setor logístico.
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Os veículos movidos a hidrogênio (H₂) obtém eletricidade a partir da célula de combustível. Nesse dispositivo, o H₂ reage com o oxigênio da atmosfera para gerar energia a bordo. Por ser um processo é eletroquímico, não envolve combustão e libera apenas vapor d’água, eliminando completamente poluentes como monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio e partículas finas.
“A célula de combustível resolve o maior problema do caminhão elétrico, que é o peso das baterias. O peso dos tanques de hidrogênio é menor que o das baterias, permitindo que veículos pesados rodem distâncias maiores sem perder carga, como acontece em modelos puramente elétricos”, explicou Davi Lopes, Head da GWM Hydrogen-FTXT Brasil, em entrevista ao Estradão.
Apesar do potencial da tecnologia, especialistas alertam que o hidrogênio só faz sentido ambientalmente se for produzido a partir de fontes de baixo carbono. Quando obtido de combustíveis fósseis, o processo de geração emite grandes volumes de CO₂, anulando os ganhos climáticos e tornando o impacto ambiental comparável ao do próprio diesel.
“Não adianta ter um caminhão limpo se o hidrogênio vem de uma fonte suja. O objetivo é descarbonizar toda a cadeia, não apenas o escapamento”, afirmou Monica Panik, mentora de Mobilidade a Hidrogênio da SAE Brasil, em contato com a reportagem.
Diferenças entre hidrogênio limpo e sujo
O hidrogênio pode ser produzido de várias formas e a partir de diferentes matérias-primas, mas nem todas oferecem benefícios ambientais. O chamado hidrogênio verde, por exemplo, surge da eletrólise da água utilizando energia totalmente renovável, como solar ou eólica. Esse processo não gera emissões de carbono, tornando o combustível realmente sustentável.
O hidrogênio cinza, produzido a partir de gás natural sem captura de carbono, pode gerar emissões próximas a 10 kg de CO₂ por quilo de hidrogênio, valor semelhante ao impacto climático do diesel convencional. Por outro lado, o hidrogênio azul captura parte desse carbono, reduzindo significativamente as emissões, mas ainda depende de combustíveis fósseis.
O pior de todos - e o mais comum no mercado, com cerca de 95% de participação - é o hidrogênio marrom, obtido do processamento do carvão natural. Produzido dessa forma, gera em torno de 20 kg de CO₂ por kg de H₂.
Como explica Davi Lopes, a indústria brasileira tem potencial para desenvolver o hidrogênio de baixo carbono: “o Brasil consegue produzir hidrogênio a partir de biometano e etanol, aproveitando resíduos do agronegócio e reduzindo a pegada de carbono. Isso não apenas descarboniza veículos, mas mostra ao mundo como fazer.”
Desafios para alcançar o hidrogênio verde
A indústria de hidrogênio de baixo carbono ainda enfrenta obstáculos significativos, tanto tecnológicos quanto econômicos. O processo de eletrólise da água exige grandes quantidades de energia renovável, e isso encarece a produção em comparação com hidrogênio obtido de combustíveis fósseis.
O diretor da GWM Hydrogen-FTXT Brasil explica que a indústria brasileira pode reduzir custos ao integrar hidrogênios de diferentes origens, combinando fontes mais baratas com biometano e etanol: “Ao integrar hidrogênios de várias origens, conseguimos oferecer combustível mais acessível e com menor pegada de carbono, acelerando a adoção dessa tecnologia no transporte pesado.”
Além do custo, a infraestrutura de abastecimento representa outro desafio. Construir estações de hidrogênio exige investimento elevado, logística especializada e regulamentação ainda incipiente, fatores que limitam a expansão do combustível no transporte pesado.
A especialista da SAE Brasil complementa a visão: “O desafio não é apenas tecnológico, mas econômico. É preciso políticas públicas e incentivos que tornem viável a produção e o uso do hidrogênio de baixo carbono em larga escala no Brasil.”
Apesar das dificuldades, os especialistas destacam que essas barreiras podem ser superadas com planejamento, investimento e políticas coordenadas. A combinação de soluções públicas e privadas permitirá que o hidrogênio de baixo carbono avance gradualmente, abrindo caminho para descarbonizar o transporte pesado no País.
Caminho rumo à viabilidade comercial
A transição para o hidrogênio verde ainda enfrenta entraves no Brasil, sobretudo relacionados ao custo e à infraestrutura. O preço médio do hidrogênio de origem renovável pode superar US$ 5 por quilo, enquanto o produzido a partir de gás natural (cinza) custa cerca de US$ 1,50 a US$ 2. Essa diferença impede a competitividade imediata do combustível limpo no transporte pesado.
Segundo Lopes, a tendência é de redução gradual dos custos com o avanço tecnológico e o aumento da escala de produção. “Com a expansão da demanda e a maturidade das plantas de eletrólise, o preço do hidrogênio verde tende a cair de forma semelhante ao que vimos com a energia solar nos últimos anos”, afirmou.
Ainda de acordo com o especialista da GWM, a adoção ocorrerá de forma progressiva: “Estamos vivenciando os primeiros passos de uma história que vai se consolidar nos próximos cinco a dez anos. Em cinco anos, podemos ter centenas de veículos circulando, e em dez anos, algumas milhares.”
Monica Panik reforça que o Brasil tem vantagens únicas para liderar essa transição. “Temos abundância de fontes renováveis e uma matriz elétrica majoritariamente limpa. O desafio é acelerar a infraestrutura de produção, transporte e abastecimento para o hidrogênio chegar de fato às estradas”, explicou.
Várias cidades europeias já testam caminhões e ônibus a hidrogênio em operação piloto, e na China a tecnologia já opera em escala comercial. A GWM, por exemplo, já entregou mais de 2.000 caminhões a hidrogênio naquele país, mostrando que a rota segue além da fase experimental.
No Brasil, o avanço ainda depende de investimentos e políticas públicas claras. “Precisamos de incentivos e regulamentações que deem segurança para quem quer investir. O setor privado está pronto, mas precisa de previsibilidade”, concluiu Monica.