Tecnologia

Caminhões a gás têm poucas opções à venda, mas combustível é farto

Caminhões a gás emitem até 99% menos CO2 que modelos diesel; segmento, porém, ainda tem baixa procura apesar da pronta oferta dos veículos e do combustível

Thiago Vinholes

24 de fev, 2025 · 15 minutos de leitura.

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Scania, caminhões a gás,
É mito que caminhão a gás é fraco. Modelos atuais têm a mesma capacidade dos diesel
Crédito:Scania/Divulgação

Há várias soluções comprovadas e disponíveis para ajudar o setor de transporte rodoviário diminuir a dependência do diesel e as emissões de CO₂. Algumas ainda são caras e de difícil aplicação, como os caminhões elétricos e a célula a hidrogênio. No entanto, a infraestrutura para esses veículos é complexa e ainda tem baixa capilaridade, o que limita o uso dessas tecnologias em larga escala. Outra alternativa, mais acessível e pronta, são os motores a gás.

Na Europa e em partes da Ásia, veículos pesados, incluindo ônibus e caminhões, utilizam esse tipo de motorização há décadas. É um modelo de propulsão que oferece desempenho e custos similares aos do diesel, ou até menores, mas que reduz as emissões de CO₂ em mais de 90%.

O gás que abastece esses caminhões varia conforme a região. Em regiões da Europa e na China, o Gás Natural Liquefeito (GNL) predomina. Em outras regiões, como os Estados Unidos e países da Ásia, o Gás Natural Veicular (GNV) e o biometano são mais comuns. O Brasil também é um grande produtor desses dois combustíveis. Porém, o mercado desse tipo de veículo no País ainda é pequeno.

Segundo a Abiogás, associação que representa o setor de Biogás e do Biometano, o potencial produtivo no Brasil é de 120 milhões milhões de metros cúbicos por dia de biometano, o que daria para suprir 70% da demanda do diesel. Tem ainda o GNV, que vem do gás natural extraído de poços. Em janeiro de 2025, a Agência Nacional de Petróleo e Biocombustíveis (ANP) produziu, em média, 153,93 m³/dia de gás, que as indústrias processam e separam em diferentes gases, como o metano usado no setor de transporte.


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Brasil tem muito gás, mas poucos caminhões

“Hoje, o Brasil deve produzir em torno de 400 a 500 mil m3/dia de biometano, ou seja, estamos no início dessa jornada”, disse Marcel Jorand, CEO da Gás Verde, produtora de biometano, em entrevista ao Estradão. Atualmente, a empresa com sede no Rio de Janeiro produz média 160 mil m³ do gás por dia em 12 plantas e planeja atingir 650 mil m³ até 2028. É um volume que pode abastecer cerca de 680 caminhões por dia.

Gás Verde, biometano
A Gás Verde produz biometano e também aluga caminhões a gás - Gás Verde/Divulgação

Entretanto, mesmo com a oferta do combustível de menor impacto ambiental, existem poucos caminhões a gás no mercado brasileiro. Por ora, apenas duas fabricantes investem nesse segmento no País. A Scania oferece dois modelos semipesados e dois pesados e a Iveco tem dois produtos, um caminhão semipesado e um pesado. Atualmente, esses veículos combinados não alcançam 1% do volume mensal de caminhões vendidos no Brasil.


Nos últimos cinco anos, período em que a Anfavea passou a registrar os licenciamentos de caminhões a gás, o volume de vendas dessa categoria ainda não alcançou mil unidades. Por outro lado, ao mesmo tempo foram emplacados mais de 500 mil caminhões a diesel no País de 2021 até janeiro de 2025. De acordo com o CEO da Gás Verde, esses veículos emitem milhões de toneladas de CO2 na atmosfera por ano, o que equivale a 15% das emissões de gases do efeito estufa registradas do País.

Segundo Everton Lopes, conselheiro da sociedade de engenheiros automotivos SAE Brasil na área de energia, os caminhões a gás oferecem benefícios ambientais significativos. “O gás natural reduz consideravelmente as emissões poluentes, sobretudo do material particulado, um dos piores impactos da queima do diesel e relacionado a doenças cardiorrespiratórias”, disse, em contato com a reportagem.

GNV e biometano são o mesmo combustível

Gás é uma coisa, biogás é outra. Entretanto, em alguns casos, os dois podem ser o mesmo combustível, como o Gás Natural Veicular (GNV) e o biometano. Ambos são o gás metano, mas a forma de obtenção determina o nome de cada um.


O GNV usado em caminhões e automóveis é o metano processado do gás natural, extraído de poços junto com petróleo cru. Por outro lado, o biometano é um produto renovável, gerado pela decomposição de matéria orgânica. "Qualquer biomassa pode gerar biometano. O GNV também gera baixa emissão no escapamento, mas é um recurso limitado na natureza", disse consultor da SAE Brasil.

Conforme dados da Scania, o uso de biometano pode reduzir em mais de 90% as emissões de CO₂ na comparação com o diesel. Considerando ainda a cadeia de produção do gás, o CEO da Gás Verde afirma que a redução da poluição gerada por um caminhão desse tipo pode chegar a 99%. “Quando produzimos biometano, reaproveitamos uma molécula de metano que já estava no meio ambiente e, em algum momento, teve origem fóssil. Esse processo envolve a reutilização e reciclagem do gás”, diz.

Iveco, S-Way NG
Iveco S-Way NG tem motor de 460 cv e 203,9 mkgf de torque - Iveco/Divulgação

A Gás Verde, por exemplo, extrai o biometano de aterros sanitários. De uma forma simples, a empresa industrializou um fenômeno natural, a decomposição anaeróbica feita por biodigestores. Nesse processo, microrganismos se alimentam da matéria orgânica onde há pouco ou nenhum oxigênio, produzindo subprodutos como metano, hidrogênio e outros compostos.

Caminhão a gás versus caminhão a diesel

De acordo com o especialista da SAE Brasil, o nível de performance dos caminhões a gás é equivalente ao dos modelos com motor diesel, bem como os custos de operação. "Abastecer o caminhão com gás é mais barato. Há dez anos, esses caminhões eram mais fracos e andavam 400 quilômetros, agora passam de 700 quilômetros com a mesma capacidade de um caminhão a diesel. É um desempenho que oferece segurança e lucratividade para o operador, fora a redução de emissões", explicou.

Fabio Nicora, Gerente de Desenvolvimento de Produto da Iveco, fez a mesma comparação. "Os veículos a gás da Iveco oferecem o mesmo desempenho e produtividade que os modelos a diesel. O S-Way NG, por exemplo, utiliza motor FPT CURSOR 13, com potência de 460 cv, muito próxima à da versão diesel.", disse o executivo.


O caminhão a gás da Scania, na versão versão mais potente, também alcança 460 cv de potência (e 163 mkgf de torque). É o G460, um cavalo mecânico tão capaz quanto um modelo diesel de alta performance, compatível com qualquer tipo de implemento em semirreboque. Nas estradas ele é o “Scania Mochilão”. Esse nome vem do conjunto de cilindros de gás instalado na traseira da cabine, que lembra uma mochila. Segundo a marca, o alcance do modelo é de 650 quilômetros.

SCANIA G460 A GÁS
"Scania Mochilão": modelo leva cilindros extras na parte traseira da cabine - Scania/Divulgação

Além dos combustíveis diferentes, os motores a diesel e a gás funcionam de formas distintas. O motor diesel utiliza a compressão do ar para gerar calor para queimar o combustível, sem a necessidade de velas de ignição. O motor gás funciona em ciclo Otto (o mesmo do motor a gasolina), com uma fonte de ignição para acender a mistura de ar e combustível.


Cada um tem suas vantagens, como o menor nível de ruído do caminhão a gás ou o maior torque em baixa rotação do motor diesel. Porém, em relação aos níveis de emissão de CO₂, os caminhões com motor a GNV e biometano apresentam um redução relevante sobre o combustível feito de petróleo.

O ano do gás

Em janeiro de 2025, as vendas de caminhões a gás no Brasil aumentaram 1.100% comparado ao mesmo período em 2024, conforme dados da Anfavea. Entretanto, embora o valor chame atenção, ele subiu de seis para 72 unidades. Ainda assim foi apenas 0,6% entre os mais de 10 mil caminhões a diesel (98% do total) no País no mesmo mês.

Dos fabricante instalados no País, somente a Scania e a Iveco vendem caminhões a gás. A Volkswagen planeja entrar no segmento com uma variante do Constellation, prevista para 2026. Em contrapartida, outras marcas com fábricas no Brasil, a DAF, Volvo e Mercedes-Benz não planejam explorar esse nicho no País e investem em outras tecnologias para reduzir emissões.


Iveco, caminhões a gás, Tector NG
Semipesado Iveco Tector NG comporta até 11 toneladas de carga - Iveco/Divulgação

Para o especialista da SAE, o aumento nas vendas de caminhões a gás está ganhando tração e as condições de infraestrutura e oferta de gás são favoráveis. “Este é o ano do gás”, prevê Lopes, citando duas razões principais. “O Programa Nacional do Gás no Brasil tem dado incentivos para a produção e distribuição desse combustível para ele chegar mais barato para o consumidor. Outro ponto é a agenda ESG das empresas. Nesse sentido, o caminhão a gás é uma solução acessível e disponível para substituir os caminhões a diesel com o mesmo nível de qualidade e rendimento”, afirmou.

Atualmente, o gás, sobretudo na forma do biometano, é um opção viável para o setor de veículos rodoviários pesados reduzir emissões. O biogás também é uma das peças de incentivo do programa Combustível do Futuro, do governo federal, que prevê o aumento da produção e distribuição do produto.


Hoje, as principais rotas de caminhões a gás estão concentradas da região Sudeste, onde circula a maior parte da carga transportada no Brasil. "Mais postos de gás vão atrair mais caminhões a gás", concluiu o especialista da sociedade de engenheiros automotivos.

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