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Ônibus clandestino facilita proliferação da covid-19 no Brasil

O ônibus clandestino é um problema antigo no Brasil, mas preocupa ainda mais pelo grande potencial de disseminar a covid-19

Aline Feltrin

04 de jun, 2021 · 8 minutos de leitura.

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ônibus clandestino
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Crédito:

A cozinheira Elzaneide da Silva Santos, de 42 anos, sempre viaja de ônibus clandestino. Ela planejava usar esse transporte mais uma vez agora em junho. Assim, ela iria como o marido da capital paulista para São Bernardo, no Maranhão. Contudo, o casal desistiu. Eles ficaram com medo da covid-19.

Elzaneide tem razão. O risco de contaminação em locais fechados é enorme. Ou seja, até quatro vezes mais em áreas fechadas. Mesmo para quem utilizar máscara e ficar no espaço por pouco tempo. Segundo estudo da Universidade do Colorado, nos EUA, que ainda está em fase de revisão.

Ou seja, o ônibus clandestino representa um enorme risco aos usuários. O principal atrativo são as passagens, em média 20% mais baratas que as de ônibus regulares. Porém, as paradas são feitas fora de terminais rodoviários. Assim, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informa que não pode fiscalizar.


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Ônibus clandestinos estão no limbo

Segundo a agência, fiscalizar ônibus clandestino é atribuição da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e da polícia. Por sua vez, a ANTT diz que não faz fiscalização sanitária. Já a Polícia Rodoviária Federal (PRF) informa que sua função é garantir o cumprimento das normas do Código Brasileiro de Trânsito (CBT). Assim, não há fiscalização.

Além disso, não existe sequer estimativa sobre o número de ônibus clandestinos que rodam no País. Mas, para dar a dimensão do risco, somente a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) apreendeu 1.100 desses veículos no Estado entre janeiro e novembro de 2020.

Segundo a agência, no período foram feitas 80 mil fiscalizações. Porém, não há números atualizados. O Estradão está solicitando dados à Artesp há uma semana. Porém, a agência vem postergando o envio dessas informações. Ou seja, até o fechamento da reportagem não havíamos recebido o levantamento.


ANTT fez quase 10 mil autuações em 2020

Curiosamente, a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati) aponta alta de 30% na procura por ônibus clandestinos em 2020. Porém, a associação informa que não sabe quantos veículos desse tipo atuam no Brasil. Assim, a estimativa estaria relacionada à alta no número de apreensões.

 


Segundo a ANTT,  foram feitos 545 autos de infração de janeiro a abril de 2021. Ainda de acordo com a agência, em 2020 foram feitos 9.872 autos de infração.

O veículo também fica retido por 72 horas. De acordo com a agência, os infratores têm de realocar os passageiros em veículo de companhias regularizadas. Portanto, devem pagar por essas passagens.

Protocolos desrespeitados

A reportagem do Estradão ligou para uma empresa de ônibus clandestinos no Rio de Janeiro. A repórter disse que queria viajar da capital fluminense ao Maranhão. E perguntou sobre a existência protocolos contra a covid-19.


Segundo a atendente, em todos os ônibus há álcool em gel. Além disso, disse ela, a empresa exige o uso de máscara a bordo.

Porém, ela mudou de assunto várias vezes. Por exemplo, quando foi perguntada sobre a medição da temperatura dos passageiros antes do embarque. E também quando a repórter quis saber se é comum haver fiscalização estadual e/ou federal nas estradas.


Ônibus clandestinos atendem cidades do interior

Seja como for, a viagem do Rio de Janeiro ao Maranhão levaria três dias. Segundo a atendente, a passagem custa R$ 400 e teria de ser paga em dinheiro. Em companhias regulares, o bilhete sai por cerca de R$ 500.

Esse é um dos motivos que levam pessoas como Elzaneide a utilizar ônibus clandestinos. Além disso, as rotas costumam incluir cidades que não são servidas por empresas regulares. Assim, quem precisa ir ao interior acaba tende de gastar mais.

Por exemplo, o ônibus da empresa contatada pela reportagem pararia em várias cidades nos Estados de Minas Gerais e Goiás.


Falhas na fiscalização

Enfim, apesar de já ter viajado com a mesma empresa várias vezes, Elzaneide diz que ficou preocupada. “Fiquei com receio por causa da variante indiana que pegaram lá no Maranhão (sic).”

O fato é que mesmo nos terminais rodoviários a fiscalização sanitária é feita de forma aleatória. De acordo com a Abrati, apenas os passageiros com suspeita de covid-19 são impedidos de embarcar. Ou seja, quem for assintomático viajará sem problemas.

De acordo com a associação, é comum os ônibus clandestinos serem guiados por motoristas sem registo profissional. Além disso, para reduzir os custos muitos recebem por viagem. Dessa forma, essas companhias não teriam controle sobre o estado físico desses condutores.


Risco à segurança

Da mesma forma, a falta de fiscalização cria outros grandes riscos. Por exemplo, em geral a segurança é negligenciada. Ou seja, nem sempre a manutenção é feita de forma adequada.

Além disso, há menos controle sobre as bagagens e mercadorias embarcadas. Portanto, os ônibus clandestinos podem funcionar como meio de transporte de drogas, armas e até animais silvestres.

Elzaneide conta que viajou em dezembro do ano passado para a Bahia em um ônibus clandestino. Segundo ela, o veículo não foi parado nenhuma vez em postos de fiscalização. De acordo com ela, não havia sequer álcool em gel a bordo.


Além disso, ela conta que ninguém verificou a temperatura dos que entravam no veículo. “O único cuidado que eles fazem é pedir para que as pessoas usem máscara”, diz.

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