Entrevista

Brasil ruma para a eletrificação completa dos veículos de carga

Entretanto, para presidente da Associação Brasileira de Veículos Elétricos, país se desconecta do mundo ao não ter políticas de incentivos

Andrea Ramos

18 de jun, 2021 · 19 minutos de leitura.

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Brasil caminha rumo à eletrificação no transporte, mas a passos largos
Brasil caminha rumo à eletrificação no transporte, mas a passos largos
Crédito:ABVE/Divulgação
Brasil caminha rumo à eletrificação no transporte, mas a passos largos

Com o início da produção do e-Delivery, a indústria brasileira dá um passo adiante no tema eletromobilidade. Afinal, trata-se do primeiro caminhão elétrico desenvolvido e produzido no País pela Volkswagen Caminhões e Ônibus (VWCO).

Nesse sentido, a fabricante criou um ecossistema que envolve fornecedores de sistemas tradicionais para veículos, bem como abriu espaço para um parque industrial voltado à eletromobilidade no Brasil. Ou seja, da produção, passando pela infraestrutura até o descarte.

Ademais, o novo caminhão da VWCO é o terceiro modelo à venda no País. O primeiro a chegar foi o BYD eT8, caminhão direcionado para coleta de lixo. E em seguida chegou a JAC que com o iEV1200. Esse último atraiu transportadores e embarcadores que levam a sério às questões ambientais nos seus negócios.


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Marcas clássicas, como a FNM, estão investindo na eletrificação do transporte. A empresa promete produzir caminhões elétricos em Caxias do Sul (RS). Há ainda a Eletra, que aposta no e-Retrofit para transformar o caminhão a combustão em elétrico. O primeiro carro forte elétrico que se tem notícia no mundo recebeu a transformação da empresa do ABC paulista.

Contudo, há ainda a expectativa de que até o final do ano mais dois caminhões elétricos da BYD cheguem ao País. Mesmo que por importação, a marca aposta nos novos modelos com base na demanda do cliente por essa tecnologia.

Brasil está preparado para a eletrificação do transporte?

Dessa forma, o presidente da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE) Adalberto Maluf explica que todas essas iniciativas dão abertura para o País fazer mais investimentos em infraestrutura para receber esse veículo. E que apesar de serem poucas as políticas de incentivos para a compra de caminhões elétricos, elas estão ocorrendo.


“As cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro dão incentivos isentando o caminhão elétrico do rodízio. Isso é importante para o negócio de transporte. E essas iniciativas estão servindo de inspiração para outras grandes cidades. Assim como para pequenos municípios”, diz Maluf.

Entretanto, o executivo lamenta não ter incentivos do Governo Federal. Sobretudo, porque 2022 pode ser o ano da virada da logística verde em todo o mundo. Nesse sentido, enquanto países da Europa, ou mesmo os Estados Unidos investem pesado em políticas de eletrificação, pensando no seu parque industrial do futuro, o Brasil, segundo Maluf, perde por não ter uma visão do futuro. E isso se traduz em perda de competitividade. Confira a entrevista.

Incentivos à eletromobilidade

O que existe com relação à política de incentivos ao uso do veículo elétrico?


Há a isenção de IPVA em São Paulo. Em tese, essa iniciativa atende veículos em geral, automóveis, comerciais leves e caminhões. Entretanto, essa lei esbarra em um problema. Ou seja, o teto do valor do veículo que a lei atende é de até R$ 150 mil. Logo, exclui todos os veículos elétricos à venda no País.

Dessa forma, a câmara municipal de São Paulo está discutindo alterar a mudança no valor. E manterá o desconto padrão do IPVA. Nesse sentido, fala-se até em manter o desconto de R$ 150 mil e a diferença é paga pelo proprietário do veículo. Mas nada ainda é certo.


Caminhões elétricos

Para a eletrificação do transporte há benefícios que possam ser atrativos para o empresário?

Sim, a isenção do rodízio para donos de caminhões elétricos. Neste caso, a medida é mais interessante para o empresário de transporte do que o desconto no IPVA. Isso porque para o negócio da empresa girar o caminhão tem que rodar. E o empresário ganha com o veículo liberado do rodízio. Aliás, por causa disso, empresas de transporte em São Paulo e no Rio de Janeiro estão investindo nos caminhões elétricos. Há uma empresa que tinha uma frota com 80 furgões elétricos. E por causa dessa isenção aumentou a frota para 200 modelos.

Quais são as tendências para eletrificação do transporte nas grandes cidades, ou mesmo em São Paulo, que podem servir de exemplo para demais municípios?


Atualmente existe isenção em São Paulo para Veículo Urbano de Carga (VUC). Ou seja, ele pode trafegar na zona máxima de restrição à circulação. A ABVE está em conversa com o município a fim de negociar a liberação de veículos maiores elétricos para trafegar em São Paulo. Dessa forma, é possível ampliar algumas operações logísticas para dentro das cidades ou mesmo os veículos maiores podem voltar a circular nas marginais. Sem emitir ruído e nem poluentes.

E São Paulo aprovou recentemente o plano de mudanças climáticas que tem uma vertente ambiental muito forte. Nesse sentido, vejo que a cidade quer se posicionar na liderança com relação às questões climáticas. Assim como o Rio de Janeiro. Ademais, ambas cidades inspiram outros municípios. Porque suas iniciativas estão antenadas com o resto do mundo.


Veículos elétricos no Brasil

O que existe de incentivos para veículos elétricos em outras partes do Brasil?

Salvador, Curitiba, Porto Alegre e Recife procuraram a ABVE, porque estão buscando políticas de incentivos para veículos elétricos para suas cidades. E dessa forma beneficiará a eletrificação do transporte. Quase todas se focam no transporte público e na logística verde. Porque são os que mais poluem. Por exemplo, 10% da frota de São Paulo é diesel. Mas ela representa quase 50% da poluição. Por isso, há marcas na Europa que daqui a alguns anos deixarão de produzir veículos a combustão. E por demanda de lei.

Dessa forma, o que a chegada do e-Delivery, com desenvolvimento e produção local, pode significar o início do desenvolvimento da eletromobilidade no Brasil?


No mundo existem 10 milhões de carros, 600 mil ônibus e 31 mil caminhões elétricos. Os dados são do relatório da Agência Internacional de Energia (IEA). Contudo, a eletrificação do transporte de cargas é algo muito recente. A BYD foi a primeira montadora a lançar um caminhão elétrico no mundo. Mas, apesar de os caminhões não representarem tanto a frota elétrica no mundo, é o veículo que mais apresentou aumento de vendas nos últimos dois anos. E isso está ocorrendo, sobretudo na China e na Europa, por causa dos incentivos criados.

Logo, acredito que a chegada do e-Delivery vai beneficiar a expansão do caminhão elétrico no País. Porém, o que vejo em andamento aqui são tentativas de incentivos de governos locais. Entretanto, as leis mais efetivas de São Paulo e Rio de Janeiro de certa forma incentivaram a indústria de veículos elétricos.

2022 ano da virada

Pelos dados de crescimento da frota elétrica de caminhões nos últimos dois anos, veículo de carga é a bola da vez na eletrificação no mundo?


A indústria está desenvolvendo muitos modelos e os lançando no mercado. Assim como as cidades estão criando incentivos. Logo, nós acreditamos, sim, que o caminhão é a bola da vez. Possivelmente, 2022 será o ano da virada da logística verde em todo o mundo.

Logo, é possível que a indústria no Brasil se movimente nesse sentido?

Exatamente. E isso já está ocorrendo. A BYD vai trazer novos modelos a partir do segundo semestre. Como o eT8 se consolidou na coleta de resíduos, os novos modelos vão atuar na operação urbana e mesmo rodoviária. Fazendo uma logística mais ampla. E esses veículos têm a vantagem de trazer novos carregadores. Ou seja, eles carregam o caminhão em apenas duas horas e têm 300 km de autonomia. Enquanto o eT8 leva 4 horas para ser carregado. Assim, a indústria também se movimenta para desenvolver veículos cada vez mais direcionados às necessidades logísticas. Com o objetivo de ampliar a presença dos caminhões para qualquer aplicação.


Atuações

Como a ABVE está atuando no que se refere à infraestrutura de recarga?

Foram muitos projetos da chamada P&D 22 da Aneel, Projeto Estratégico de Pesquisa e Desenvolvimento para a eletromobilidade. Quase R$ 600 milhões em investimentos. Com o objetivo de levar soluções para mobilidade elétrica por meio de modelos de negócio, equipamentos, tecnologias, serviços, sistemas e infraestruturas para suporte ao desenvolvimento para a operação dos veículos elétricos ou híbridos plug-in.

Assim, parte desse valor investido foi direcionado à infraestrutura de recarga. E hoje temos projetos de recarga rápida nas rodovias, dentro de cidades ou mesmo fora. Porém, quando ocorre uma venda de um caminhão elétrico ao cliente, mapeamos a rota dele. E, caso haja necessidade, instalamos uma estrutura de recarga na rota por onde o veículo passar. Mas, a maior infraestrutura ainda ocorre dentro da empresa do cliente.


Infraestrutura

Ajudaria padronizar a infraestrutura para todos os veículos?

Como associação, chegamos a pensar em algo nesse sentido junto com a ABNT. Mas voltamos atrás nessa decisão porque significaria congelar o desenvolvimento tecnológico. Então estamos trabalhando em uma normatização com requisitos mínimos de segurança para que todas as tecnologias de recarga se conversem.

Tecnologia híbrida

Como vocês enxergam o futuro da eletromobilidade no Brasil cuja malha rodoviária é extensa? Será o híbrido?


Não batemos o martelo em qual tecnologia vai dominar. Mas no mundo, os elétricos ganharam muita participação e a presença dessa tecnologia cresceu entre os caminhões pesados. Na China, por exemplo, a venda de caminhão híbrido e elétrico era muito parecida alguns anos atrás. Agora, 80% é de elétrico. Na Europa, isso ainda está equilibrado, mas os caminhões a bateria ganham em proporção, com exceção da Suécia, porque a Volvo e a Scania têm modelos plug-in. Eu acho que a tecnologia a bateria no Brasil vai se sobressair ao plug-in. Mesmo porque os elétricos as baterias são os que atendem as metas de redução de emissão.

Então o desafio será desenvolver baterias que tenham autonomia. Bem como uma malha rodoviária eletrificada. Ou seja, com infraestrutura de energia. E como será isso?

De certa forma sim. Mas para o futuro eu vejo a possibilidade de um novo modelo de negócio. O de eletrificar as rodovias. Sobretudo aquelas localizadas no interior do País. Vejo oportunidade de abrir investimentos em geração distribuída, por meio de usinas solares. E assim se desenvolve a eletrificação, bem como a geração de energia nessas localidades. As cidades locais se desenvolvem com uma internet de ponta e outras benfeitorias que a eletrificação pode levar para essas regiões.


Abastecimento é um desafio

Nesse sentido, existe algo de efetivo ou sendo feito para eletrificar as rodovias?

O próprio P&D 22 da Aneel deu uma encaminhada. Já existem recarregadores rápidos que a princípio foram feitos para automóveis. Mas que atendem caminhão tipo VUC.  Porém, o eixo onde existe a infraestrutura se limita às estradas de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Belo Horizonte. Eu acho que a região Sul do Brasil onde há a estrutura da Copel também serve de exemplo. E nessas regiões se concentram grande parte da operação de transporte. Havendo demanda, a infraestrutura sobe o mapa.

Governo Federal

O que esperar do governo Federal?


Via ABVE estamos tentando sensibilizar o governo de que o Brasil está ficando para trás do resto do mundo no que diz respeito a política industrial dos veículos elétricos. Não existe uma política nacional. O atual governo do Joe Binden quer investir US$ 2 trilhões (algo em torno de R$ 10 trilhões) na conta entra uma política de subsídios para a indústria do futuro. Da mesma forma ocorre na Europa, quando a Alemanha investe € 20 bilhões de euros para fazer a transformação do parque industrial atual olhando para o futuro. Ou seja, isso mostra que esses países estão levando a sério a política industrial.

O Brasil não tem nenhuma política. E o que mais me preocupa é a ausência de um plano local de eficiência energética. Entre 2010 e 2015 foram aprovados planos de política industrial no mundo inteiro. Ou seja, todos os países têm metas.

E o Rota 2030?


O que foi aprovado no Rota 2030 sobre o plano de eficiência energética ainda no Governo Temer foi uma transição de 15 anos. Ou seja, foi aprovada uma transição de quase 15 anos para leis de eficiência energética. O que colocará o Brasil em atraso. A ausência de liderança do governo nesse sentido inibe os investimentos das montadoras e dos sistemistas. As montadoras brasileiras estão perdendo a inovação do seu parque de fornecedores de autopeças.

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